O concurso e o empoderamento de Heitor dos Prazeres
No artigo anterior trouxemos a luz uma nota jornalística informando que o primeiro concurso de samba realizado por Zé Espinguela havia ocorrido em 1928 e não em 1929.
Em 1928, o prédio mais alto da América Latina, situado na Avenida Rio Branco, Praça Mauá, abrigava o jornal “A Noite”. Na edição de 9 de fevereiro de 1928, “A Noite” também descreveu uma festa na casa de eventos “EstrellaD’Alva”, em comemoração ao resultado do concurso de samba realizado por Zé Espinguela.
De fato, segundo depoimento de Antonio Rufino para o livro “Paulo da Portela, traço de união entre duas culturas”(Editora Funarte, 1980), que descreve o concurso de samba, a festa de entrega do prêmio teria ocorrido no dia 10 de fevereiro. A diferença entre o depoimento e o jornal seria apenas em relação ao ano do ocorrido e o vencedor. Vamos ao texto jornalístico.
A nota afirma que, no “Estrella D’Alva”, seria oferecido uma cabritada à Embaixada do Estácio “vencedora do concurso de samba no Engenho de Dentro, na casa do José Spinelli”. A matéria de “A Noite” confirma o também publicado por “A Nação”, ambos em 1928.
Já outro jornal, o “A Manhã”, de 11 de fevereiro de 1928, ou seja, publicado após a festa de entrega do prêmio, anuncia um novo concurso de samba a ser realizado envolvendo as embaixadas do Estácio, Mangueira e Oswaldo Cruz. Contudo, não houve nas edições seguintes dos jornais cariocas qualquer menção à este segundo concurso. Vamos à nota de “A Manhã”.
Como vimos, as notas jornalísticas da época confirmam apenas em parte os depoimentos dos sambistas sobre o primeiro concurso de samba. Contudo, entre a memória dos presentes e o fato registrado em jornais, o bom senso nos leva a aceitar a versão escrita.
O empoderamento
Em relação à Portela, que teria mudado de nome devido a vitória do samba de Heitor dos Prazeres no concurso, procuramos na história uma explicação para o fato. O que teria levado o empoderamento de Heitor frente à Portela naquele ano, a ponto dele convencer Paulo da Portela a mudar o nome da agremiação de “Conjunto de Samba Oswaldo Cruz” para “Quem nos Faz é o Capricho”?
Encontramos uma fonte que poderia explicar o ocorrido. Trata-se de um anúncio da “Casa Vieira Machado”, que imprimia e vendia catálogos com a letra de sambas, marchinhas e maxixes para o carnaval. Muitas dessas composições já haviam sido gravadas por empresas como a Odeon, a Columbia e a Casa Edison. Os detalhes da publicação nos levaram a refletir sobre o assunto. Segue o anúncio.
Concidentemente, a data que foi publicado o anúncio é 20 de janeiro de 1928, dia de São Sebastião do Rio de Janeiro ou Oxóssi para o candomblé, quando José Espinguela realizou o concurso de sambas no bairro do Engenho de Dentro, vencido pela Embaixada do Estácio.
No anúncio, da esquerda para a direita, aparece o nome das composições que fazem parte do catálogo à venda, em seguida o gênero da composição, o compositor e seu nome artístico, terminando com o valor do material. Além de Pixinguinha, Caninha e Donga, o nome de Heitor dos Prazeres aparece duas vezes como autor dos sambas “Eu Gosto de Carnaval” e “Yá-yá do Bomfim”. Esta teria sido a primeira vez que Heitor dos Prazeres teve letras de composições suas editadas e vendidas para o público, ao lado de compositores consagrados como Pixinguinha e Donga.
A publicação de duas composições de Heitor dos Prazeres levou a Odeon a contratá-lo e a gravar algumas de suas obras. Este deve ter sido o real motivo que levou Paulo da Portela a aceitar a mudança do nome da agremiação de“Conjunto Oswaldo Cruz” para “Quem nos Faz é o Capricho“, já que Heitor não havia vencido concurso nenhum. Provavelmente, os fatos ocorridos naquele 1928, levaram os depoentes a se enganarem sobre o ano e os reais motivos da troca de nome.
Esta é uma tese. Um indicativo que pode nos levar, quem sabe, à verdade.
No próximo artigo o internauta vai conhecer um ator negro chamado Benjamim de Oliveira. Sim, ator negro! Teria Paulo da Portela, antes de ser sambista, se envolvido com as artes teatrais? Vamos esclarecer este assunto…
Por Marcello Sudoh – Presidente do Consuladoda Portela no Japão
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