Natal e China Preto, 1955
Natalino José do Nascimento, o Natal da Portela, era homem respeitado em toda região de Oswaldo Cruz, Madureira e adjacências. Disso todo mundo sabe. Contudo, muitas histórias contadas sobre sua vida são consideradas lendas. Uma delas, publicada por Hiram de Araújo e Amaury Jório, no livro “Natal, o homem de um braço só” (Guavira Editores, 1975), aborda a apuração do carnaval de 1960, quando Natal teria dado um sôco na cara do chefe da polícia durante o anúncio das notas do desfile. O caso era considerado mais uma história sem provas, até que descobri na revista “O Cruzeiro”, datada de 19 de março de 1960, a foto que provava o ocorrido. Essa descoberta ocorreu em 2006, quando procurava imagens da Portela em publicações antigas. Durante visita a um sebo, encontrei e comprei a revista citada com a sequência do soco. A descoberta foi publicada no site da PortelaWEB em 2008. Em 2012, a mesma foto foi impressa em livro sobre a história da Escola.
A experiência dessa descoberta me levou a buscar outras histórias em torno de Natal. E a fonte foi o mesmo livro citado acima. Nele, os autores contam o caso de um briga que Natal teve com um conhecido e perigoso criminoso, chamado China Preto. Os dois haviam se jurado de morte e apontado armas engatilhadas, um para o outro. No final da peleja, acabaram abraçados. Contudo, no livro, não há registro do ano que a briga havia ocorrido, lançando dúvidas sobre o encontro entre Natal e China Preto. Teria sido mesmo verdade?
Assim, a exemplo do caso da apuração do Carnaval de 1960, resolvi buscar informações sobre China Preto e encontrei. Vamos lá!
Nicodemos José dos Santos, o China Preto, era famoso malandro do morro de Mangueira e liderava gangue na década de 50. Teria sido detido no dia 24 de maio de 1955, na rua João Henrique 216, Cordovil, na casa onde residia com sua companheira. Condenado a 30 anos de prisão, ele era procurado por assaltos e homicídios em vários bairros cariocas. Seus crimes aparecem aqui e ali, nas páginas policiais, assim como as operações desfechadas pela polícia para encontrá-lo. Sua fama era tanta que vários outros malandros, ao serem presos, diziam ser o procurado chefe de quadrilha.
Entre os crimes praticados por China Preto havia um que foi presenciado por Natal. Segundo publicado pela imprensa, o criminoso havia baleado um operário em frente ao Bar do Manuel, no dia 16 de março daquele ano e fugido com um comparsa. Este crime foi reportado por vários jornais da época.
No livro, Hiram de Araújo e Amauri Jório contam que China Preto não foi o autor do disparo contra o operário, mas aparece zombando do mesmo, que caído no chão, gemia de dor. O fato teria acontecido em frente ao bar do Nozinho, irmão de Natal, e o bicheiro teria chamado China Preto de covarde. O criminoso, armado, humilhou Natal na frente de dezenas de pessoas e não o teria matado por ser irmão de Nozinho. O tal Bar do Manuel, descrito na reportagem do Diário de Notícias, seria o Bar do Nozinho, onde a “nata” portelense da época se encontrava. Assim que encontrei as notas nos jornais, vi que a história publicada no livro era verdadeira!
Mesmo antes deste ocorrido, a polícia carioca já vinha realizando operações para prender China Preto. De acordo com os jornais, China Preto era “homicida sabidamente perigoso” e já havia recebido a polícia a tiros. Depois de preso teria sido encaminhado à casa de detenção a espera do julgamento. Porém, consegui fugir, foi baleado e morto a facadas no início de junho de 1955, provavelmente, por um desafeto. Dada a importância do criminoso, a morte foi publicada na capa do jornal “Gazeta de Notícias”, bem como em outras mídias impressas.
Acompanhando as notas publicadas pela imprensa carioca da época sobre China Preto, acreditamos que o criminoso resolveu “aprontar” para os lados de Oswaldo Cruz e Madureira, sem se dar conta de que ali era território sob a jurisdição de Natal. O patrono da Portela, temendo que os crimes de China Preto afetassem a rotina da região e chamassem a atenção das autoridades, resolveu deter o malandro altamente perigoso. Dias depois do crime em frente ao Bar do Nozinho, Natal foi até a favela onde ele estava, arrombou o local e encontrou China Preto com sua quadrilha. Armado com um 45, pegou todos de surpresa. Só restou a China Preto pedir desculpas e sair abraçado do local com Natal. A cena é descrita no livro “Natal, o homem de um braço só”. Contudo, o próprio China Preto acabou sendo preso e assassinado por vingança, fruto dos inúmeros crimes que cometeu.
Uma outra tese que pode ser levantada sobre o caso é de que algum outro bicheiro teria pago China Preto para cometer o crime, bem em frente ao Bar do Nozinho, no momento que Natal ali estava, situação nada rara, já que Natal sempre passava e parava ali. O objetivo da ação de China Preto no “quintal” de Natal, seria levar a polícia a realizar rondas nos bairros de Oswaldo Cruz, Madureira e Irajá, prejudicando as bancas de bicho sob o comando de Natal que ali atuavam. Essa tese é baseada em reportagens que vieram a ocorrer depois da morte de China Preto, onde as autoridades acusavam os bicheiros de estarem contratando criminosos.
Vale destacar ainda que China Preto aparece nos jornais do período atuando com vários nomes. Inclusive até depois de sua morte. Outros criminosos também são apontados como sendo China Preto. Contudo, nossa pesquisa adotou o nome publicado na reportagem sobre seu assassinato uma vez que, a fim de registrar o óbito, a polícia vasculhou e encontrou em sua casa documentação que registrava seu nome verdadeiro, ou seja, Nicodemos José dos Santos.
O importante neste episódio é relembrar que muitos dos casos envolvendo a Portela e os portelenses, e que hoje são vistos como lenda ou “história de pescador”, podem ter realmente acontecido. Natalino José do Nascimento foi um dos portelenses cuja obra parece ficção, mas pode ser provada na história.
por Marcello Sudoh – presidente do Consulado da Portela no Japão
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